Com o início do século XXI, a União Europeia começou a promover um debate sobre qual é o equilíbrio ótimo entre a regulação do mercado de trabalho e a segurança laboral, inoculando nos estados membro a necessidade de implementar políticas que fomentem a denominada flexisegurança, de acordo com alguns estudos da OCDE e da OIT nos quais se relaciona este modelo laboral com taxas de emprego elevadas.
La flexiseguridad: cuando libertad y protección van de la mano
O objetivo da flexiseguridad é dotar o tecido empresarial de uma normativa mais relaxada quanto à mão de obra, ao mesmo tempo que se fortalece a proteção social dos trabalhadores por parte dos governos, de modo a que as companhias possam fazer frente às duras exigências de um mercado em mudança e altamente competitivo sem afetar de forma negativa o capital humano.



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Mas, em que consiste a flexisegurança?

O que é a flexisegurança?

A flexisegurança – o flexigurança – tem a sua origem na década de 90, nos Países Baixos, onde o ministro de Trabalho, Ad Melkert, introduziu o termo num trabalho intitulado Flexibilidade e segurança.
A noção de flexisegurança promove, segundo realça Andranik Tangian no seu ensaio Flexigurança europeia: conceitos, metodologia e políticas, “a ideia de compensação da desregulação do mercado laboral com vantagens no emprego e na segurança. “A flexigurança é uma estratégia de política que tenta, de uma maneira sincrónica e deliberada, impulsionar a flexibilidade dos mercados laborais, a organização do trabalho e as relações laborais, por uma parte, e melhorar a segurança – a segurança no trabalho e a segurança social – especialmente para grupos debilitados, dentro e fora do mercado laboral, por outro lado”, referem Ton Wilthagen e Frank Tros em The concept of «flexicurity»: a new approach to regulating employment and labour markets.
Como aponta Julián de Diego, professor de Direito do Trabalho, no artigo A flexisegurança como motor da reforma laboral europeia, este modelo “oferece novas formas de contratação, que não violam os princípios e as bases do direito laboral de cada país, e que asseguram emprego digno e em condições razoáveis, capacitação e reconversão permanentes, e que garantem a proteção social dos trabalhadores e contribuem para que o mercado de trabalho seja mais reativo, inclusivo e competitivo.

Os pilares do modelo de flexisegurança

Portanto, a flexisegurança baseia-se, como mostra a OCDE no seu  relatório Benefits and Wages de 2004, em três pilares chamados o ‘triângulo de ouro’:

  • Deve existir uma alta flexibilidade construida a partir de acordos contratuais adaptáveis e fiáveis.
  • Os desempregados devem estar apoiados por uma forte proteção social.
  • A política de formação e reinserção laboral deve ser muito intensa, através de estratégias de capacitação contínua que assegurem a reciclagem dos trabalhadores.

Aplicações das políticas flexiseguras

Ora bem, este modelo laboral pode aplicar-se em distintos aspetos de forma não exclusiva.
No caso da flexibilização da normativa, existem cinco possibilidades de intervenção:

  • A flexibilidade numérica externa: Faz referência à capacidade das empresas para ajustar o número de empregados às necessidades atuais, quer dizer, uma maior facilidade para contratar ou despedir trabalhadores.
  • A flexibilidade numérica interna: consiste na liberdade do empregador para alterar de forma unilateral o número e a distribuição de horas laborais (trabalho por turnos, fins de semana, horas extras…), sem afetar o número de empregados da estrutura.
  • A flexibilidade funcional: entendida como a capacidade das companhias para reestruturar o organograma interno e mudar os profissionais de posto ou de tarefas atribuídas.
  • A flexibilidade salarial: aquela que possibilita às empresas modificar os salários em função das mudanças de mercado.
  • A flexibilidade de externalização: refere-se à capacidade do empregador para subcontratar alguns trabalhos a profissionais externos.

Por seu lado, a proteção laboral também tem diferentes desenvolvimentos:

  • A segurança do trabalho: envolve a proteção do trabalhador face aos despimentos ou mudanças significativas nas condições laborais e consiste na certeza de manter um trabalho específico com um empregador específico.
  • O emprego ou segurança de empregabilidade: referente à existência de uma oferta de postos de trabalho adequada à titulação e com condições laborais ajustadas que permita aos profissionais despedidos ou desempregados manterem-se dentro do mercado de trabalho.
  • As receitas de segurança (social): trata-se do acesso a uma proteção de receitas no caso de cessação do trabalho remunerado (desemprego, salário mínimo, aposentações …)
  • A segurança de combinação: relativa às possibilidades do capital humano de conciliar o trabalho remunerado com outras responsabilidades e obrigações sociais.

Tipos de sistemas laborais segundo a relação flexibilidade/segurança

Deste modo, baseando-nos na combinação destes dois parâmetros, encontramos quatro tipos de modelos laborais:

  • Flex-seguros: aqueles que apresentam uma regulação relaxada sobre o mercado laboral mas oferecem um sistema social generoso, como ocorre na Dinamarca ou na Finlândia.
  • Inflex-seguros: nos que existe una estrita normativa laboral e uma sólida segurança social, como sucede na Holanda, Noruega ou Suécia.
  • Flex-inseguros: caracterizados por relações de emprego flexíveis e uma proteção social relativamente baixa, sendo o Reino Unido o maior exponente.
  • Inflex-inseguros: onde há uma segurança social escassa e uma regulação do mercado laboral estrita, como é o caso de Espanha, Portugal e República Checa.

O caso dinamarquês: é extrapolável?

Se bem que a origem deste paradigma de trabalho se situe na Holanda, é na Dinamarca onde o modelo de flexisegurança se converteu no máximo expoente.
Neste país, a estratégia política soube combinar a flexibilidade entre organização do trabalho, relações laborais e segurança social, dando lugar a espetaculares resultados: um deficit fiscal de 0,9% do PIB, receitas per capita que superam os 50.000 dólares anuais, uma taxa de emprego de 73% e um desemprego de 5,7%.
Como o conseguiram? Segundo aponta Guillermo Dutra, num artigo publicado no jornal El País, o Governo dinamarquês oferece às empresas uma alta facilidade para contratar e despedir trabalhadores (é procedente se se pré-avisa com 3 meses, na industria, ou 4 meses, na construção), modificar os horários laborais, aplicar contratos temporários e assumir um baixo custo laboral na Segurança Social e impostos, ao mesmo tempo que protege a mão de obra com uma alta empregabilidade, receitas para os desempregados (até 80% do último salário durante um máximo de 4 anos) e políticas de inserção laboral, orientação e formação.
Ora bem, a pergunta é se se podem desenvolver estas políticas de flexisegurança nos restantes de estados da União Europeia, como se propôs no Tratado de Lisboa de 2007.  Ainda que os casos da Holanda e da Dinamarca tenham tido êxito, melhorando a competitividade das empresas e estimulando a produção e os mercados laborais, também existem outras investigações que mostram os dispares efeitos que a flexisegurança origina num ou noutro país. Por exemplo, o impacto de medidas de desregulação quase idênticas no uso dos contratos temporários foi radicalmente diferente na Alemanha e em Espanha, segundo o relatório Benefit Systems and Work Incentives da OCDE.
Como assegura Gosta Esping-Andersen em Regulation and context: Reconsidering the correlates of unemployment, “a relação entre a regulação do mercado laboral e o emprego é difícil de precisar”, pois influem outros fatores socioculturais próprios de cada região que devem ter-se em conta para manter a harmonia entre flexibilidade e segurança. Como refere Dutra, “a experiência demonstrou que não manter esse rigoroso equilíbrio acarreta sérios riscos de precarizar o emprego, gerar desnecessária burocracia e desacreditar o diálogo social”.

 

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